Falsos cognatos

Rainha ‘h6’ na cabeça!
No estudo de línguas estrangeiras, precisamos estar atentos para não cair nas armadilhas dos falsos cognatos, palavras de grafia parecida, às vezes de mesma origem, mas na língua materna tem um significado e na língua estrangeira tem outro muito diferente.
Há muitos exemplos famosos de falsos cognatos entre os idiomas português e espanhol, diversos comerciais de TV exploram com bom humor possíveis confusões.
No xadrez pode acontecer um fenômeno parecido, quando alguém confunde padrões táticos. Por exemplo, há posições com uma configuração muito semelhante de peças chave, porém com pequenos detalhes que fazem toda a diferença. Não raramente, o jogador é enganado pela semelhança, uma vez que os circuitos neurais para reconhecimento de padrões são muito mais rápidos que os circuitos de análise convencional de jogadas e, nem bem começa a pensar, já está com a mão na peça, movendo no puro instinto, pela semelhança com um padrão tático conhecido.

Aconteceu esses dias com Isaias, numa partida rápida. Ele havia acompanhado o desfecho do match pelo campeonato mundial Carlsern × Karjakin e estava maravilhado com o lance final do campeão:

Carlsen x Karjakin WCC2016 m16. Posição após 49. … Rh7.

Carlsen jogou 50. Dh6!, com xeque mate na próxima jogada, não importa a resposta de Karjakin, que abandonou.
Terminar um campeonato mundial com sacrifício de Dama foi um incentivo e tanto para os aficionados do mundo inteiro, inclusive para Isaias que estava há um tempo parado e resolveu jogar umas partidas rápidas no clube.
Ele estava com fome de xadrez, lembrando os velhos reflexos, sobretudo inspirado pelos lances do campeonato mundial. Numa das partidas, apareceu a posição abaixo, Isaias, com as peças brancas, tinha a vez de jogar, pode dar mate em duas jogadas!

Brancas jogam e dão mate em 2. Se pretas jogam, dão mate em 2.
Isaias arregalou os olhos e, num rápido disparo neural, percebeu semelhança absoluta com a posição final do campeonato do mundo (Torre na oitava, peão branco em h5, Rei preto indefeso em h7, Dama mirando h6), e jogou sem nem sentir: 1. D×h6?? ao qual o adversário, feliz, respondeu com 1. … g×h6. Isaias, contrariado, ainda tentou 2. Cg6, mas foi surpreendido com o fatal contra-ataque preto 2. … Th3+! 3. B×h3 Dh2#.
A audiência começou logo a brincadeira, dizendo que Dh6 não é pra qualquer um! Mas pior foi quando ele descobriu que tinha mate simplesmente com 1. Dg6+! f×g6 2. h×g6#. Fora enganado pelo falso cognato tático!
No caminho de casa, Isaias pensou: “Agora eu sei como Karjakin se sentiu quando não viu 20. … C×f2 na 10ª partida…”. E acabou por se consolar: “Até grandes mestres têm seu dia de capivara“!

O Xadrez na Era Supervisonada

O xadrez mudou muito após o pleno desenvolvimento de computadores capazes de vencer os melhores jogadores do mundo. A partir dos anos 1980, as máquinas começaram timidamente a vencer grandes mestres, depois apareceu uma ou outra vitória isolada contra o campeão do mundo, até a definitiva derrota em 1997, quando Garry Kasparov inclinou seu rei na sexta partida do match contra Deep Blue.

Desde então, a questão não é mais se o homem pode bater a máquina, mas sim quão bem poderia jogar a máquina, e como ela ajudaria o homem a compreender melhor este jogo milenar que nos tem fascinado por tantos séculos. Foi o fim da ‘era não supervisionada” do xadrez.

Por muitos anos, nós humanos jogamos um xadrez misterioso, instigante. Não havia uma “resposta certa” sobre as mais variadas posições, especialmente alguns finais de partida. Aberturas precisavam ser analisadas exaustivamente em sessões de treinamento que duravam dias. Enganos eram frequentes, por várias vezes mestres prepararam em casa surpresas de abertura que foram simplesmente refutadas no tabuleiro, no calor da partida. Por isso, podemos chamar este tempo de era não supervisionada do xadrez.

Foi a época de Fischer, cuja formação como jogador foi inteiramente baseada em livros, revistas especializadas, pura prática e aconselhamento com outros grandes mestres (enquanto pôde encontrar jogadores no ocidente que ainda podiam lhe ensinar algo sobre o jogo). As comunicações ainda não estavam tão bem desenvolvidas, e as partidas dos adversários soviéticos e europeus chegavam com dificuldade, coletadas por amigos e colaboradores ao redor do mundo. Quando lhe ocorria uma ideia nova, ele não podia pensar “deixa eu saber aqui neste livro, ou com este grande mestre superior se esta jogada serve”. Não, ele mesmo respirava fundo, se colocava no outro lado do tabuleiro e ia atrás dos recursos possíveis para as peças contrárias.

Contra Fischer, e contra todo o resto do Mundo, havia a forte Escola Soviética de xadrez, detentora de todos os campeões mundias após 1948 (exceto Fischer). Era uma estrutura muito bem azeitada para formação serial talentos que, uma vez na elite, eram forçados a cooperar uns com os outros para o crescimento do xadrez soviético como um todo. Apesar de ainda não existir uma “resposta certa” para as questões do jogo, sempre era possível contar com a opinião de um ex-campeão do mundo, como Botvinnik ou Tal, senão lançar mão do enorme arsenal teórico disponível em língua russa, bem guardadas pelos melhores grandes mestres do mundo. Era o que mais se aproximava do que temos hoje, quando praticamente alcançamos a ‘era supervisionada’ do jogo.

A era supervisionada é muito diferente. Para começar, antes mesmo de ser desenvolvido o poder de cálculo de variantes e avaliação de posições no tabuleiro, o simples fato de os computadores terem possibilitado a criação de bases digitais gigantes de partidas já foi uma revolução. Isso já facilitou enormemente o acesso à teoria do jogo, construída ao longo de pelo menos dois séculos de partidas entre mestres preservadas. Mas não foi só isso.

Os algoritmos de xadrez ainda estão em plena adolescência, e estamos longe de ter a ‘solução’ do jogo, como já aconteceu ao primo distante jogo de Damas. Apesar disso, os computadores já estão muito próximos de fornecer a ‘resposta certa’ em cada posição possível. Há momentos em que eles eles calculam tão bem, produzem lances tão belos, que dão a impressão de que estão a pensar!

Ao acompanhar os comentários de grandes mestres que dão cobertura às partidas do match pelo Campeonato Mundial entre Magnus Carlsen e o desafiante Sergey Karjakin (ambos crias da época computacional do xadrez), é notório como o computador fornece os lances mais fortes, sugere ideias por vezes brilhantes que não são acessíveis à mente humana no espaço de tempo limitado de uma partida de torneio. Tampouco ocorrem ao comentarista que não tem pressão nem limitação de tempo para suas elucubrações. Aliás, os dois maiores trunfos do computador são justamente o tempo de resposta (segundos) e a profundidade de cálculo, que pode chegar a dezenas de jogadas à frente, enquanto a média alcançada por grandes mestres da elite é de “somente” cinco a dez jogadas.

Nesse momento, porém surge um incômodo. O comentarista  faz uma análise, diz sua ideia sobre uma determinada posição de partida (o que antes seria tomado como uma verdade), e o jogador médio que está acompanhando sente o ímpeto de “checar” com seu aplicativo de análises se o grande mestre está mesmo certo. É uma grande inversão de valores que pode trazer uma ilusória sensação de entendimento, já que tanto o computador quanto o grande mestre têm uma base sólida para lançar uma jogada, mesmo sem ser a melhor, mas o amador que segue as avaliações do computador sem questionar criticamente é como a casa construída sobre a areia. Há muitos perigos nessa crença cega.

O computador ainda não “compreende” tão bem o jogo, apesar dos avanços técnicos que permitem transformar em objetivos parâmetros numéricos os conceitos humanos para avaliar o jogo: quantidade, qualidade e mobilidade de peças, segurança do rei, controle de espaço, estrutura de peões etc. Um exemplo foi visto na quarta partida do match Carlsen x Karjakin, quando o russo (que se defendia em posição inferior) organizou sua peças num tipo de fortaleza e impossibilitou qualquer avanço do exército inimigo, enquanto o computador continuava a fornecer avaliações favoráreis a Carlsen, numa posição claramente igualada.

Karjiakin x Carlsen, NY 2016 WCC m4. Posição após 94. Rf2 (empate).
Isso nos ajuda a recolocar o boi na frente do carro, lembrar que são os homens e suas ideias maravilhosas de xadrez e de computação que tornaram possível a evolução que vemos hoje. Não esqueçamos que por muitos anos os esforços foram para fazer o computador jogar como um humano, e não convém agora querer que as pessoas joguem como um computador. Se um dia as pessoas não forem mais capazes de julgar o que diz um cálculo frio da máquina, quem estará trabalhando para quem?

Uma vez, o ex-campeâo mundial Mikhail Tal estava para jogar uma exibição de partidas simultâneas contra vários jovens talentos soviéticos e confidenciou a um colega temer as agudas preparações de abertura dos jovens, já que ele próprio não estava mais a par das últimas novidades, era final da década de 1970. O colega tranquilizou o campeão: “não se preocupe, quando acabar a teoria que memorizaram, então serão apenas eles mesmos jogando com as próprias ideias”. Tal venceu a maior parte das partidas. Será que a legião de jogadores que busca somente assimilar as agudas descobertas computacionais não estaria somente repetindo o que fizeram os jovens que enfrentaram Tal? O que acontecerá quando tiverem que jogar com suas próprias ideias? Haverá alguma?

A era supervisionada pode matar o xadrez? Ela está ainda no começo, mas seus efeitos já são notórios e crescentes. O risco é que no lugar da evolução do conhecimento enxadrístico, ela traga uma visão dogmática e superficial (que era um temor de Fischer, quando percebeu o peso das preparações de abertura em sua época). Podemos nos precaver, há uma coisa que está em nosso poder: desligar um pouco a máquina e pensar com nossos próprios meios. Afinal, o melhor computador já criado está dentro do crânio de cada um de nós.

Os mais inteligentes do mundo hoje

Quem são as pessoas mais inteligentes do mundo hoje? Recentemente, foi elaborada uma lista de 30 gênios da atualidade. O site que divulgou a lista é dedicado a orientar sobre escolha de universidades ao redor do mundo. Pela própria natureza do site, dentre os 30 citados, a maioria é composta por cientistas, quase todos matemáticos e físicos. Mas a lista traz 3 enxadristas, todos grandes mestres (GM).
Fonte: JufitPolgar.com
A primeira citada é a GM Judit Polgar (39 anos, Hungria). Judit é a mais nova de três irmãs enxadristas, todas grandes mestres de Xadrez, todas treinadas segundo o método desenvolvido pelo pai delas, Lazlo Polgar. Lazlo acreditava que um gênio em qualquer área poderia ser formado por treinamento adequado, com pouca influência do talento ou aptidão natural, e resolveu provar seu método em suas próprias filhas usando o Xadrez como área de especialidade. Judit foi uma menina prodígio e tornou-se GM (título absoluto entre homens e mulheres) em 1991, aos 15 anos e 4 meses de idade, quebrando um recorde que pertencia, então, ao lendário Bobby Fischer (desde Judit, esse recorde já foi quebrado 5 vezes, e é mantido hoje pelo russo Sergey Karjakin, que foi GM aos 12 anos e 7 meses de idade). Judit foi a responsável por realmente levar às mulheres o respeito merecido em torneios internacionais, tradicionalmente dominados por homens. Foi a única mulher até hoje a figurar entre os 10 melhores jogadores do mundo e foi a líder do ranking mundial feminino por mais de 25 anos (ainda é a única mulher a ter ultrapassado a pontuação de 2700). Ela sempre jogou somente torneios mistos e, por exemplo, nunca disputou o Campeonato Mundial feminino. Judit aposentou-se das competições em 2014 e atua na divulgação do Xadrez como ferramenta de desenvolvimento pessoal.
Fonte: www.kasparov.com
Em seguida, a lista cita o GM e ex-campeão do mundo Garry Kasparov (52 anos, Rússia). Kasparov certamente é o mais famoso enxadrista do mundo, principalmente após sua derrota para o computador Deep Blue da IBM em 1997. Muitos apontam Kasparov como o melhor enxadrista de todos os tempos, dada sua grande predominância sobre seus contemporâneos e também pelo fato de ele ter sido o primeiro a ultrapassar a pontuação de 2800 no ranking mundial. Ele foi o campeão mundial mais jovem da história, aos 22 anos de idade, quando derrotou pela primeira vez seu compatriota Anatoly Karpov, e também liderou o ranking mundial por 31 anos. Após abandonar o Xadrez competitivo em 2005, Kasparov tem se dedicado ao ativismo político, sendo uma das principais vozes contra Vladimir Putin na Rússia.
Fonte: www.chessbase.com
O terceiro enxadrista citado na lista é o atual campeão mundial GM Magnus Carlsen (25 anos, Noruega). Carlsen tornou-se GM aos 13 anos, 4 meses e 27 dias, é o campeão mundial de Xadrez desde 2013 quando derrotou o Indiano Wishanathan Anand. O fato de Carlsen vir de um país sem tradição enxadrística faz muitos acreditarem que ele é um dos maiores talentos naturais para o jogo desde o cubano Capablanca, fato acentuado ainda mais pelas semelhanças de estilo entre eles. A ascensão de Carlsen no cenário mundial foi meteórica até a quarta ou quinta posição no ranking mundial. A subida posterior foi devida, em parte, à parceria feita em 2009 com Kasparov. O trabalho entre os dois foi responsável pelos ajustes finos que levaram Carlsen a ser o mais jovem número 1 do mundo da história, aos 19 anos. A jovem figura de Carlsen, que quebra a estereotipada imagem do enxadrista profissional, tem sido benéfica na divulgação do jogo. Alguns o chamam de ‘Justin Bieber’ do Xadrez, e o campeão tem sido até mesmo convidado para trabalhar como modelo junto a atrizes famosas como Liv Tyler. Este ano Magnus deve defender seu título contra o vencedor do Torneio de Candidatos que está em andamento na cidade de Moscou.

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Habemus Magnus!

Carlsen x Anand, partida 1 – o desafiante mira o adversário e seu Título! (site oficial)
Nada melhor para reativar este blog do que o término do “match” entre os Grandes Mestres Viswanathan Anand (Índia, 43 anos de idade, campeão na defesa do título, ELO 2775) e Magnus Carlsen (Noruega, 22 anos de idade, número 1 do mundo, desafiante, ELO 2870). O match pelo título mundial da FIDE foi realizado em Chennai (Índia) desde o dia 9 de novembro e terminou ontem, 23/11/2013, com um lutado empate na décima partida que encerrou a disputa em 6,5 x 3,5 a favor do norueguês. Portanto, aconteceu a ‘passagem de bastão‘ preconizada neste blog.
Pode parecer que não houve surpresa alguma, já que a história dos confrontos pelo título máximo de Campeão do Mundo, nas vezes em que o campeão mundial enfrentou como desafiante o primeiro do ranking mundial (por exemplo, Spassky x Fischer e Karpov x Kasparov), o desafiante costuma levar a melhor. No caso de Anand x Carlsen, a diferença de rating era de 95 pontos, que no xadrez equivale quase a uma categoria de diferença entre os dois Grandes Mestres.
Mas rating não ganha jogo, o que ganha são boas jogadas, bons planos, tenacidade, vontade de vencer, concentração, e nesses fatores Carlsen foi superior a Anand em quase todas as partidas. O jovem fenômeno da Noruega colocou o herói indiano em situações delicadas, nas quais seu elevado nível de jogo não teve o rendimento esperado, e erros impensáveis para um jogador de sua classe foram cometidos. Particularmente estranho foi o comportamento na nona partida, com peças brancas e boa posição de ataque, Anand caiu na armadilha de Carlsen, que acelerou o ritmo de suas jogadas e induziu Anand a jogar rápido no momento crítico, ele então errou, deixando de conseguir um empate e praticamente selando o destino do “match”.
O melhor jogador do mundo na atualidade enfim conquista o título que lhe faltava, a coroa mundial, a mesma que um dia pertenceu a Steinitz, Lasker, Capablanca, Alekhine, Botwinnik, Tal, Smyslov, Petrossian, Spassky, Fischer, Karpov, Kasparov, Kramnik e Anand. É o legítimo líder que deve dominar o xadrez mundial por longo tempo, dado sua idade, a exemplo do que fizeram Lasker, Karpov e Kasparov (a não ser que lhe aconteça o mesmo que a Fischer, que teve medo de perder e nunca aceitou colocar seu título mundial em disputa).
Para Anand, cuja conquista do título máximo de forma absoluta em 2007 tanto significou para o xadrez, como foi dito aqui no blog, resta o consolo nas palavras do grande Mikhail Tal: “o título de campeão do mundo é temporário, mas o de ex-campeão é vitalício”! Anand ainda tem plenas condições de voltar a disputar o título, além de já ter seu nome garantido como um dos maiores do jogo em toda a história.
A vitória de Carlsen também é valorosa por colocar em evidência uma forma de jogar que não está na moda entre os outros Grandes Mestres da elite. Carlsen não é fanático por profundas preparações teóricas, que tendem a tornar o jogo enfadonho e seco. Ele prefere começar o jogo de forma mais despretensiosa, às vezes com mínima ou nenhuma vantagem para, então, já na fase do meio-jogo e depois, no final de partida, usar de seu conhecimento, capacidade de análise e técnica apurada, para tirar vantagem de quase nada e vencer seus oponentes. Quando alguém lhe propõe um embate teórico de aberturas, ele simplesmente convida para jogar xadrez! Mas não sejamos ingênuos, ele conhece muito da teoria de abertura, assim como de todos os outros aspectos teóricos do jogo, mas não é daí que ele tira sua força e sua superioridade frente aos demais.
Parabéns ao novo campeão. Vida longa ao xadrez jogado no tabuleiro, longe das preparações computacionais e das linhas memorizadas! Este é o xadrez do novo campeão do mundo!

Sobre Torneio de Candidatos e Critérios de Desempate

O Torneio de Candidatos terminou neste 1º de abril de forma emocionante, seguindo a tendência iniciada na 12ª rodada. Os maiores favoritos, Carlsen e Kramnik, no entanto, não tiveram bom controle de seus nervos e acabaram perdendo suas partidas.

Sorte de Carlsen que Aronian não tinha mais chances, pois se tivesse vencido a Grischuk na véspera como venceu hoje a Radjabov, Aronian teria sido campeão isolado da competição (com 9 pontos) e novo Canditato ao Título Mundial! Mas acho que Aronian deve ter lido o estudo de Jeff Sonas no chessbase.com e parou de acreditar em suas chances após a 12ª rodada.

Fica uma lição (que, aliás, já é lugar comum): só acaba quando termina! Outra lição: estatística é muito bom para prever o amanhã, caso o amanhã fosse ontem, mas nunca é (ou quase nunca)!

Assim, a competição atingiu seu desfecho de forma decepcionante, decidida friamente pelos critérios de desempate. Mas deu a lógica e, acredito, trouxe o adversário que o público mais desejava ver desafiando o campeão mundial: Magnus Carlsen, o primeiro do ‘ranking’ mundial.

Mas vamos aproveitar a deixa para falar um pouco sobre critérios de desempate. Questão delicada não só no xadrez, mas em toda situação em que se tem a difícil tarefa de decidir qual é maior, 2 ou 2.

Primeiramente, é essencial que os critérios sejam conhecidos antes de iniciado o torneio, pois isso tem impacto na estratégia de cada um. Por exemplo, em Londres o número de vitórias era um critério de peso, assim poderia valer a pena arriscar mais em algumas partidas.

Mesmo assim, sempre que se utilizar um critério em detrimento de outro corre-se o risco de ser parcial. É como usar um lençol muito curto, cobre um lado e descobre o outro.

Ano passado, aqui no Brasil, isso deu muita confusão em alguns torneios realizados em Sistema Suiço, depois duma regulamentação da CBX quase obrigando os árbitros a usar sempre a mesma ordem de critérios (1. Confronto direto; 2. Número de vitórias; 3. Número de partidas com as negras…), que algumas vezes causava grande distorção.

Há, porém, uma forma de se tornar menos parcial o processo. Não é uma ideia nova, mas no xadrez eu nunca vi ser utilizada.

É algo que eu conheço da área de Reconhecimento de Padrões, da engenharia (da computação e da estatística também), na qual se utilizam programas de computador (alguns com inteligência artificial) para classificar coisas (frutas, ondas cerebrais, reservatórios subterrâneos de petróleo) com base em características numérias (padrões). Nessa área, é comum o uso de Comitês de Classificadores para chegar à classificação correta. São usados vários classificadores e a resposta final será aquela mais votada entre eles. Agora me vem uma analogia à cabeça… é como no Conclave!

Assim, no xadrez, por que não se utilizar um Comitê de Critérios de Desempate? O campeão seria aquele que vencesse na maioria dos critérios (com isso a ordem entre os critérios não teria importância).

Por exemplo, neste torneio de Londres, como ficaria um Comitê dos mesmos critérios utilizados?
  1. Confronto Direto: sem decisão (Carlsen e Kramnik empataram as duas partidas)
  2. Número de Vitórias: Carlsen
  3. Sonneborn-Berger: Kramnik (57,75 contra 56,25 de Carlsen)
Como um dos critérios não foi decisivo, um outro seria necessário. Pela regra, em caso de indecisão pelos critérios, deveriam, portanto, partir para partidas rápidas, para o delírio do público e desespero de Magnus Carlsen.

Fica a proposta para a FIDE, para a nossa CBX, e para todos aqueles clubes que realizam torneios semanais, como a ADX.