O Lance que Fischer não fez

Em 1961, Fischer, um astro em ascensão,  jogou um match contra o antigo menino prodígio e consagrado grande mestre norte-americano Samuel Reshevsky. Uma das armas do veterano era a variante acelerada da Defesa Siciliana Dragão contra a perene abertura do peão do rei de Fischer.

A sexta partida, desembocou na seguinte posição:

Fischer × Reshevsky (Los Angeles, 1961 – 6ª partida do match)
Posição pós 11.Bf6

Fischer optou pela pacífica linha 12. Dg4 d6 13 Dd1, que deixa as pretas em boa posição. A partida terminou com a divisão do ponto. Análises subsequentes acabaram por conferir a esta subvariante uma fama de “empatativa”, de modo que o próprio Fischer alterou seus planos para o mais sólido sistema Maroczy contra a Dragão.

No ano seguinte, a mais de 8000 km de distância, a posição acima se repetiu numa partida de um evento por equipes na URSS entre o Mestre Internacional Rashid Nezhmetdinov e o Grande Mestre Internacional Oleg Chernikov.

Talvez a partida de Fischer fosse conhecida de ambos os soviéticos, mas o fato é que Nezhmetdinov começou a pensar além do normal para uma posição com opções tão limitadas e com desfecho tão claro: o empate por repetição de lances (após 12. Dh6 Bg7 13. Dh4 Bf6 etc) ou pela linha escolhida por Fischer. Chernikov pôs-se a passear pelo salão, e chegou até mesmo a perguntar para Vladimir Voloshin, amigo de Nezhmetdinov: “Você sabe porque Rashid Gibyatovich está pensando tanto? É uma posição morta. Se ele queria evitar o empate, deveria ter pensado antes” Foi quando um garoto chegou até ele dizendo: “Senhor, ele acaba de sacrificar a dama!”.

Quando Chernikov voltou ao tabuleiro, estava jogado o fantástico lance que Fischer não fez: 12.D×f6!! Um dos sacrifícios intuitivos mais fantásticos da história do xadrez.

A partida seguiu com 12.… Ce2+ 13.C×e2 e×f6 14.Cc3 … O plano das brancas se baseia em explorar a grande diagonal a1h8 desguarnecida pelo bispo da Dragão que foi tomado pela dama, e trazer uma torre até f3. 14.… Te8 (muitos analistas indicaram que teria sido melhor continuar com 14.… d5, após o qual Nezhmetdinov teria jogado 15.Bd4! e usar plano similar ao da partida) 15.Cd5 Te6 16.Bd4 Rg7 17.Tad1 d6 18.Td3 Bd7 19.Tf3 Bb5 20.Bc3 Dd8 21.C×f6! mais uma vez um lance crucial na casa f6 ! 21.… Be2 22.C×h7+! Rg8 23.Th3 Te5 24.f4! 24.… B×f1 25.R×f1 Tc8 26.Bd4! O bispo vale muito mais que a torre inimiga! 26.… b5 27.Cg5 Tc7 … As brancas lançam mão de elegante combinação final para simplificar a posição com 28.B×f7+! T×f7 29.Th8+ R×h8 30.C×f7+ Rh7 31.C×d8 T×e4 32.Cc6 T×f4+ 33.Re2 Apesar de o final ainda demandar técnica por parte das brancas para ser vencido, Chernikov reconhecia que aquele era o dia de Nezhmetdinov, ou talvez ele só quisesse finalmente poder levantar-se a cadeira (1-0).

Rashid Nezhmetdinov Mestre de Xadrez
Rashid Gibiatovich Nezhmetdinov

Nezhmetdinov, um mestre pouco conhecido fora da ‘Cortina de Ferro’, mas cujo ímpeto de ataque lhe rendeu a alcunha de “enxadrista assassino“, foi grande amigo e grande influenciador de Mikhail Tal (contra quem, aliás teve escore positivo +3 -1 =0!).

Realmente uma lástima que, por diversos motivos, nunca tivemos um confronto “Fischer × Nezhmetdinov”, teria sido épico!

***

Topalov e as imortais… dos outros

 

Veselin  Topalov (Bulgária, 1975 — ) é um jogador de estilo criativo que não teme complicações. Coube a ele ser o adversário de Kasparov na última partida oficial jogada pelo ex-campeão do mundo em Linares 2005, e ele venceu! Alguns meses depois, Topalov sagrava-se campeão mundial pela FIDE ao vencer o Torneio de San Luis, Argentina, terminando à frente de nomes como Anand, Svidler, Morozevich, Leko e Judit Polgar. Aquele ano de 2005 foi um espetacular para o jovem Topalov!
Além de todo o sucesso como jogador, existe uma curiosidade raramente falada: ele foi derrotado por quatro grandes nomes da história do jogo, Kasparov, Karpov, Bareev e Shirov, naquelas que se tornaram conhecidas como ‘as imortais’ de cada um desses jogadores. Vejamos a seguir:

 

Kasparov, G. × Topalov, V. (Wijk aan Zee, 1999)
Posição após 23. … Dd6
Aqui, Kasparov inicia um combinação de longo prazo, dessas impossíveis de calcular todas as variantes até o final por um ser humano, que tornou esta partida talvez a melhor partida da carreira do ‘Ogro de Baku’. 24.T×d4! (Kasparov) … c×d4? Melhor teria sido manter a igualdade recusando o sacrifício. Mas qual grande obra sobre o tabuleiro não precisa de uma ajudinha do adversário? Só um jogador destemido como Topalov para entrar na linha principal do sacrifício! 25.Te7!! (Kasparov). O segundo sacrifício é ainda mais difícil e espetacular que o primeiro! Mas ambos precisaram ser calculados juntos, pois o primeiro não teria sentido sem o segundo. Toda a partida pode ser vista aqui.
 
Karpov, A. × Topalov, V. (Linares, 1994)
Posição após 17. … h×g6
Alguns anos antes, no torneio de Linares de 1994, enfrentando Anatoly Karpov, Topalov novamente dá uma chance de imortalidade a outro grande ex-campeão mundial: 18.Cc5! “Forte jogada, que abre espaço para um agudo jogo tático” (Karpov) … d×c5 19.D×d7 Tc8 20.T×e6! “Este sacrifício de qualidade escapou aos cálculos de meu adversário, que chegou muito perto de salvar a partida” (Karpov). Novamente, dois sacrifícios combinados (cavalo em c5 e torre em e6) que tornam a combinação uma das mais famosas dentre as jogadas por Karpov. A partida completa pode ser vista aqui. Vale lembrar que Karpov venceu aquele torneio naquela que foi talvez a maior performance individual de um jogador em todos os tempos (11 pontos em 13 partidas, +9 -0 =4; 2,5 pontos à frente de Kasparov e Shirov).

 

Topalov, V. × Bareev, E. (Linares, 1994)
Posição após 16. De4
No mesmo Torneio de Linares de 1994, Topalov, desta vez de brancas, sofreu uma derrota do tipo miniatura para o grande mestre Evgeny Bareev numa partida que ganhou o prêmio de beleza do torneio. O diagrama acima ocorreu após um primeiro sacrifício de Bareev no 13º lance (13…. C×f4) sabiamente recusado por Topalov, que pensou que após 16. De4 haveria a troca de damas com igualdade material e uma ligeira vantagem posicional para as brancas, mas ele não contava com as inspiradas ideais de Bareev naquele dia: 16. … Te8!! (Román Torán) 17.D×e8 Bf5! “Completando a manobra que nos recorda ‘A imortal’, com seu duplo sacrifício de torres” (Román Torán). Mais uma vez a combinação envolve múltiplos e belíssimos sacrifícios! 18.D×a8 … e, a partir de agora, temos mate em 10 jogadas que deixo como exercício aos leitores. Toda a partida pode ser vista aqui. Duas derrotas imortais em um mesmo torneio, definitivamente ‘Linares 1994‘ foi uma competição difícil para Topalov.
 
Para finalizar, uma brilhante jogada que arrematou um final de bispos de cores opostas, potencialmente empatado:

 

Topalov, V. × Shirov, A. (Linares, 1998)
Posição após 47. Rg1
Shirov, temido por colocar fogo no tabuleiro em quase todas as suas partidas, é menos conhecido por sua técnica de finais de partida, porém, quem disse que nos finais de poucas peças não existe mais tática? 47. … Bh3!! Este brilhante sacrifício tem sido citado como um dos lances mais fantásticos da história do xadrez! Mais do que ficar “na prática” com 4 peões contra 1 (por causa dos peões dobrados brancos na coluna h) as pretas abrem caminho via f5 até as casas críticas que garantirão a coroação de um de seus peões, de a ou d. 48.g×h3 Rf5 49.Rf2 Re4 50.B×f6 d4 51.Be7 Rd3 52.Bc5 Rc4 53.Be7 Rb3 e Topalov abandona (0-1). Veja a partida completa aqui.
 
Grandes jogadores quase sempre têm seus altos e baixos, Topalov foi crescendo com essas derrotas contra grandes nomes da década de 1990 para, além de ser campeão pela FIDE e número 1 do mundo, tornar-se um dos maiores jogadores da década seguinte. Sua grande qualidade, e talvez por isso tantas derrotas extraordinárias, é seu lema que tão bem faz ao xadrez: jogue e deixe jogar!

***

Rubinstein, um lance, duas vitórias

A série sobre posições famosas demanda muitas pesquisas em livros, revistas antigas, fóruns de discussão, que trazem muitas descobertas interessantes, além das diversas sugestões de colegas enxadristas. Tais curiosidades, que talvez não estejam exatamente dentro da proposta da série, com frequência dão origem a uma postagem só para elas.

Num antigo livro com 50 partidas seletas, duas me impressionaram em especial. Em ambas, jogava de brancas o grande mestre Akiba Rubinstein e seus adversários eram (ou seriam) campeões mundiais: Lasker e Capablanca, respectivamente. Rubinstein ganhou dos dois usando uma mesma jogada, embora as posições sejam distintas! Seria um método secreto para vencer campeões do mundo?
Rubinstein nasceu na Polônia (então parte do Império Russo) e foi contemporâneo de Lasker, Capablanca, Alekhine, Tarrasch e Marshall, para falar apenas dos famosos cinco grandes mestres originais. A forte concorrência no período em que esteve no auge de sua força enxadrística pode ajudar a entender porque Rubinstein jamais foi campeão mundial. Outros fatores foram sua condição financeira desfavorecida e a eclosão da I Guerra Mundial, quando Rubinstein estava no ápice de sua forma.

Um match com Lasker estava pré-firmado para 1914, quando começou a guerra, e, depois dela, a penível condição econômica europeia impediu que Rubinstein conseguisse levantar os valores pedidos por Lasker como bolsa mínima para a disputa do título (o mesmo aconteceria depois, quando o campeão já era Capablanca).

Segundo os ratings históricos, Rubinstein esteve pelo menos o entre os quatro melhores do mundo no período entre 1905 e 1915 e foi provavelmente o mais forte enxadrista do mundo entre 1912 e 1914. Justamente neste período áureo foram jogadas as partidas contra Lasker e Capablanca, nas quais Rubinstein usa o mesmo lance para obter a vantagem.

Nas posições acima, as partidas se encontram em seu momento crítico. Contra Lasker, era primeiro confronto entre eles, e Rubinstein precisa encontrar uma forma de retomar a torre sem cair num final desfavorável. Contra Capablanca, também o primeiro confronto entre os dois, o grande mestre polonês preparou uma linha aguda de abertura e precisava achar o único lance que não só evitaria ficar mal de imediato, mas deixa as brancas com posição superior!

Na primeira posição, Rubinstein jogou 18. Dc1!, exatamente o mesmo lance (com outras ideias) que fez na segunda, 17. Dc1!!, obtendo em ambas as partidas vantagens de longo prazo que conseguiu converter em vitória algumas jogadas depois.

O xadrez está cheio de coincidências, mas, como vimos, nem todas as coincidências na vida de Rubinstein foram tão felizes como o ‘Dc1‘. O mestre sempre teve uma saude mental frágil e passou boa parte de seus últimos anos em instituições psiquiátricas, especialmente após a morte da esposa em 1954.

Esses traços da personalidade de Rubinstein chamaram a atenção do escritor russo Vladimir Nabokov, que se inspirou nele (como em outros jogadores do início do século XX) para moldar seu personagem principal no livro A Defesa Luzhin, que depois deu origem a um excelente filme homônimo.

Rubinstein pode não ter passado para a história como um campeão mundial, mas suas combinações terão sempre um lugar cativo nos tabuleiros e no imaginário de gerações e gerações de enxadristas. Na próxima vez que puder fazer o lance ‘Dc1‘, lembrarei do mestre e pensarei com cuidado, pode ser uma arma poderosa, principalmente se meu adversário for um Campeão do Mundo!

Zürich 1953: um torneio, alguns livros, uma lenda

Capas das edições mais recentes em inglês (Amazon)

Existe no xadrez uma tradição que, apesar de sofrer algumas mudanças de formato ao longo da história, permanece fascinando jogadores de todos os níveis e aficionados: o Torneio de Candidatos.


Esta competição tem o objetivo único de escolher dentre os melhores enxadristas do Mundo aquele que terá a honra de desafiar o Campeão Mundial pelo título máximo do jogo. Somente à elite que emerge dentre os vencedores de campeonatos nacionais e continentais é permitido fazer parte do certame: eles são chamados de Candidatos. Pouquíssimos jogadores na história receberam esta honraria, dentre eles o Grande Mestre brasileiro Henrique Mecking (por 2 vezes).

Em 1953, foi realizado nos arredores da cidade suíça de Zurique aquele que é celebrado como o mais forte Torneio de Candidatos da história. Tomaram parte 15 grandes mestres, todos os mais fortes da época, um deles ex-campeão mundial (Max Euwe, Holanda), além de outros dois que viriam a ser campeões mundiais poucos anos depois (o vencedor do torneio, Vassily Smyslov e Tigran Petrossian, ambos soviéticos). Além da fantástica seleção de jogadores, o formato impressionava: todos jogaram duas vezes contra todos os oponentes, de forma que todos jogaram o mesmo número de partidas com peças brancas e com peças pretas.

Boa parte da mística deste torneio se deve aos livros escritos sobre ele por alguns dos participantes*. O mais famoso deles é o livro de David Bronstein (soviético, vice-campeão do mundo em 1951), traduzido para vários idiomas. Foi o primeiro livro de Bronstein, e ele comentou todas as partidas do torneio, 210 no total, com enfoque em posições típicas, principais planos de jogo e conceitos estratégicos. Ele pretendeu dar ao livro um formato quase literário e faz relativamente pouco uso de variantes longas nos comentários (para horror de alguns críticos). Esta abordagem só pode ser usada por um gênio como Bronstein, que compensa o menor rigor analítico com insights didáticos que deram celebridade ao livro.

Outro dos livros sobre o torneio permanece menos conhecido, apesar de ser considerado por alguns como ainda melhor que o de Bronstein, é o livro escrito por Miguel Najdorf. O genial grande mestre argentino (muito conhecido pela variante da Defesa Siciliana que leva seu nome) escreveu somente este livro em sua carreira. Najdorf se entregou à mesma árdua tarefa de comentar as 210 partidas, com enfoque mais analítico que Bronstein, sem deixar de falar de ideias estratégicas, além de aspectos psicológicos e práticos (como a administração do tempo de reflexão) que influem no desempenho num torneio longo como aquele, que teve 30 rodadas e durou quase 2 meses.

Um aspecto das rodadas inciais em 1953 (livro Najdorf)

Um dos motivos para a menor fama do excelente livro de Najdorf era o fato de ele estar disponível somente em espanhol. Recentemente, porém, foi lançada uma edição em inglês, e a popularidade da obra deve alcançar seu devido lugar.


Sobre esse lançamento, foi publicada uma revisão bastante desfavorável ao livro de Bronstein, o que me causou muita surpresa. O autor é o mestre internacional John Watson. Em sua resenha, ele dá muita ênfase à escassez de análises de variantes no livro de Bronstein (algo que foi feito de propósito pelo soviético, com explicado acima), e o considera omisso em algumas partidas nas quais Najdorf oferece maior quantidade de notas e informações.

Uma análise superficial pode ser tendenciosa, e é preciso ao menos dar um voto de confiança a um livro que tem sido um clássico por mais de 50 anos. Para uma justa e precisa comparação entre as duas obras, seria necessário ler os comentários das 210 partidas em ambos os livros, idealmente checar com um forte aplicativo de análise as variantes comentadas (e as omitidas). Desta forma, além de aprender muito da técnica e da história do xadrez, quem fizesse isso poderia, de forma muito bem embasada, tirar suas próprias conclusões sobre a qualidade dos livros.

Uma forma que encontrei de encurtar este esforço e lançar alguma luz sobre a questão, foi comparar as análises e comentários dos dois grandes mestres numa partida que jogaram um contra o outro no torneio. Assim, seria evitado qualquer viés dos autores (Bronstein afirma em seu livro que é muito mais difícil comentar as próprias partidas).

[Event “Torneio de Candidatos”] [White “Bronstein, David”] [Black “Najdorf, Miguel”] [Site “Zurich”] [Date “1953.08.31”] [Result “1/2-1/2”] [WhiteElo “2689”] [BlackElo “2684”] 1. d4 Nf6 2. c4 g6 3. Nc3 Bg7 4. e4 d6 5. Bg5 {[Najdorf] Aqui Bronstein me surpreendeu um pouco. Se costumava jogar 5. f3 ou 5. Cf3. Está claro que a agressiva jogada de bispo não pode ser castigada com 5. … h6 pelo debilitamento resultante na ala do rei.} c5 {[Najdorf] Prematuro. Era melhor continuar com a linha clássica 5. … 0-0, reservando a opção de atacar o centro com ‘e5’ ou mesmo ‘c5’ e esperar que as brancas denunciem suas intenções.} 6. d5 Na6 {[Najdorf] Melhor seria 6. … e6. Se 7. d×e6 B×e6 8. Cb5 0-0 9. D×d6 (ou C×d6) Cc6 e as pretas tem jogo ativo pelo peão sacrificado. [Bronstein] Muito já aconteceu nos primeiros seis lances. Aproveitando-se do desenvolvimento do bispo da dama branco para ‘g5’, em vez da casa usual ‘e3’, onde ele participa da luta por ‘d4’, as pretas rapidamente contra-atacam o centro com … c5. Como 6. d5 impediu o desenvolvimento do cavalo negro por ‘c6’, Najdorf agora pretende trazê-lo para ‘c7’, assim ele pode preparar … b5 com … a6. Isso custa um monte de tempo, entretanto, o resultado obtido é relativamente pequeno, comparado com o esforço desprendido. O cavalo ocupa uma posição passiva em c7, onde ele permanece sem uso por algum tempo. No final, ele quase faz as pretas perderem a partida.} (6… e6 7. dxe6 Bxe6 8. Nb5 O-O 9. Qxd6 (9. Nxd6) 9… Nc6) 7. Bd3 Nc7 { [Najdorf] Com esta manobra, trato de buscar a oportunidade de criar uma ruptura na ala da dama com ‘b5’.} 8. Nge2 a6 9. a4 Rb8 10. O-O O-O 11. Qc2 Bd7 12. h3 {[Najdorf] Se neste momento 12. a5, então como na partida 12. … b5 13. a×b6 T×b6 … com pressão.} (12. a5 b5 13. axb6 Rxb6) 12… b5 { [Najdorf] Materializando a ideia da sétima jogada.} 13. f4 {[Najdorf] Começa o eterno tema desta abertura: ataque na ala do rei versus contra-ataque na ala da dama. Toda vez que as brancas conseguirem avançar seu peão do rei para ‘e5’ elas terão vantagem de espaço e melhores perspectivas. Por isso joguei: [Bronstein] A posição das peças pretas dá aos peões ‘e’ e ‘f’ uma irresistível tentação de avançar. As brancas estão conquistando mais e mais território; o peão agora em ‘b5’ compensa a duras penas a posição tolhida das pretas: por exemplo, compare as torres de ‘f8’ e ‘f1’.} Nfe8 14. axb5 axb5 15. Ra7 bxc4 16. Bxc4 Ra8 $1 {[Najdorf] 16. Ta8! [Bronstein] 17. Tfa1 não pode ser permitido; mas agora as brancas conseguem trocar a única peça ativa das pretas.} 17. Rxa8 {[Najdorf] Bronstein não joga o natural 17. Tfa1 por causa da bela variante 17. … T×a7 18. T×a7 Db8 19. T×c7 D×c7! 20. B×e7 Ba4 ganhando.} (17. Rfa1 Rxa7 18. Rxa7 Qb8 19. Rxc7 Qxc7 20. Bxe7 Ba4 ) 17… Nxa8 18. Qb3 {[Najdorf] Impedindo o retorno do cavalo por ‘b6’ devido à ameaça B×e7. Então…} f6 {[Bronstein] Como a dama não pode permanecer para sempre presa à defesa do peão de ‘e7’, as pretas decidem dar um passo difícil: fechar o caminho de seu próprio bispo.} 19. Bh4 Qb6 {[Najdorf] Ofereço a troca de damas para retirar de Bronstein armas agressivas, já que ele dispõe de vantagem de espaço e posição superior.} 20. Qa3 Nec7 21. b3 Nb5 $2 {[Najdorf] 21. … Cb5?. O correto seria 21. … Te8, porque era necessário prevenir a ruptura em ‘e5’, e então seria possível seguir f×e5.} (21… Re8) 22. Nxb5 Bxb5 23. f5 $1 {[Najdorf] 23. f5! [Bronstein] Pequenas vantagens, acumuladas pacientemente, deram corpo a um considerável ataque; com este lance as brancas iniciam sua busca por um fortalecimento decisivo de sua posição. A ameaça é 24. Cf4 g5 25. Ce6 g×h4 26. C×f8; adicionalmente, o último lance branco ajudou a fixar os peões pretos ‘e’ e ‘f’ em casas escuras. ***O restante do comentário abaixo só aparece na versão em inglês do livro de Bronstein*** Ainda assim, as brancas deveriam ter dedicado algum tempo para transferir seu bispo de casas escuras para uma outra diagonal. Ele já cumpriu o objetivo de induzir … f6 e poderia ter causado às pretas consideráveis dificuldades após 23. Be1. Também seria possível 23. Ta1, mas então as negras poderiam ter o lance … f5 em algum momento; não de imediato, pois 23. … f5 24. e5 d×e5 25. d6+ Rh8 26. d×e7 … etc.} (23. Be1) (23. Ra1 f5 24. e5 dxe5 25. d6+ Kh8 26. dxe7) 23… Bh6 {[Najdorf] Este lance é necessário para evitar Dc1 e as consequências do translado da dama à ala do rei.} 24. fxg6 hxg6 25. e5 $3 {[Najdorf] 25. e5!! Meu rival joga com toda alma e, mesmo pressionado pelo relógio, encontra uma magnífica continuação de ataque rompendo o bloqueio de peões pretos e liberando a casa ‘e4’ para seu cavalo.} Bxc4 26. bxc4 dxe5 27. Qd3 {[Bronstein] Por que as brancas sacrificaram este peão? Não poderiam as pretas iniciar um contra-ataque agora? Ainda não e, enquanto isso, as brancas precisam somente de dois ou três lances – Cc3 e Tb1, por exemplo – para dominar todos os pontos chave da ala da dama, e então tomar o peão de ‘c5’ ou ‘e7’. O triste posicionamento do cavalo preto em ‘a8’ ajuda bastante às brancas na execução de seu plano.} (27. Bf2 Rc8 28. Qd3 Kg7 29. h4 {[Bronstein]}) 27… Kh7 {[Najdorf] Foi muito difícil para mim decidir se esta jogada era melhor que Rg7. Minha decisão se baseou no desejo de impedir (após Cc3-e4-Bf2-C×c5) que o cavalo chegasse a ‘e6’ com xeque.} 28. Nc3 Qb3 $1 {[Najdord] 28. … Db3! A melhor resposta. Mesmo com um pão a mais minha posição era muito crítica. Se jogasse 28 … Cc7, Bronstein ameaçava 29. Tb1 Da3 30. Ce4 com posição ganhadora. [Bronstein] Os últimos dois lances brancos não foram ruins, mas poderiam ter sido um pouco melhores, por exemplo 27. Bf2 Tc8 28. Dd3 Rg7 29. h4 … Agora, Najdorf encontra um modo de complicar taticamente a partida e, mais importante, trocar as damas, o que facilita a defesa.} (28… Nc7 29. Rb1 Qa6 30. Ne4 {[Najdorf]}) 29. Rb1 e4 30. Rxb3 exd3 31. Rb7 $1 {[Najdorf] 31. Tb7!} Kg8 {[Najdorf] Única, outra vez.} 32. Kf2 { [Najdorf] Evidentemente, não era vantajoso tomar o peão do rei libertando o cavalo de ‘a8’. [Bronstein] Obviamente, as brancas não tomam o peão para não permitir que o cavalo preto saia do isolamento em seu canto distante.} Bf4 $1 {[Najdorf] 32. … Bf4!} 33. Kf3 {[Najdorf] Se 33. Bg3 B×g3+ 34. R×g3 Tc8! 35. T×e7 Cb6 36. Te4 f5 37. Tf4 d2 38. Rf2 Te8, melhor para as pretas.} ( 33. Bg3 Bxg3+ 34. Kxg3 Rc8 35. Rxe7 Nb6 36. Re4 f5 37. Rf4 d2 38. Kf2 Re8 { [Najdorf]}) 33… Rb8 34. Rxb8+ {[Najdorf] Tomar o peão do rei poderia levar ao empate da seguinte maneira: 34. T×e7 g5 35. Bf2 Tb3 36. Ce4 d2+ 37. Re2 Td3 38. Rd1 Cb6 39. C×f6+ Rf8 40. B×c5 Ca4 41. Ch7+ Rg8 42. Cf6+ … etc. Agora a tensão se afrouxa consideravelmente.} (34. Rxe7 g5 (34… Rb3 { [Bronstein]} 35. Bxf6) (34… Bd6 35. Re6 Be5 36. Bxf6 Bxc3 37. Bxc3 Rb3 38. Ba5 $1 {[Bronstein]}) 35. Bf2 Rb3 36. Ne4 d2+ 37. Ke2 Rd3 38. Kd1 Nb6 39. Nxf6+ Kf8 40. Bxc5 Na4 41. Nh7+ Kg8 42. Nf6+ {[Najdorf]}) 34… Bxb8 {[Bronstein] Praticamente toda a vantagem branca desapareceu após a troca de torres. Melhor seria 34. T×e7 Tb3 35. B×f6 ou 34. … Bd6 35.Te6 Be5 36. B×f6 B×c3 37. B×c3 Tb3 38.Ba5! As brancas superestimaram a força do peão em ‘d3’ quando rejeitaram a continuação acima, entretanto seu próprio peão de ‘d5’ teria sido muito mais perigoso. A melhor variante de todas teria sido 33. Bg3 ao invés de 33. Rf3, oferecendo a troca de bispos. As brancas não previram a resposta preta 33. … Tb8.} 35. Na4 Bd6 36. Bf2 Kf7 37. Ke3 Nc7 38. Kxd3 Na6 39. Ke4 f5+ 40. Kf3 e6 41. Nb6 {[Najdorf] Empate, já que após 41. … e5, não havia maneira de forçar a partida.}

Revisar a partida sob a ótica desses dois lendários mestres é muito enriquecedor. Percebe-se o respeito mútuo, o profundo conhecimento estratégico, a tática aguçada, a honradez dos mestres. Por exemplo, Bronstein em momento algum se refere ao fato de ter pouco tempo restante no relógio para explicar algum erro seu, enquanto Najdorf cita que ele estava com pouco tempo, mas mesmo assim encontrou a melhor continuação no lance 25 (ao qual deu duas exclamações ‘!!’ – aliás, Najdorf é muito mais afeito ao uso de ‘?’ e ‘!’ em suas notas).


Existem diferenças, claro. Por exemplo nos lances 12 e 17, Bronstein considera desnecessário mostrar algumas variantes (provavelmente porque considerou fáceis de visualizar), em outros as análises divergem, como no lance 33. A verdade, porém, é que a partida fica muito mais instrutiva quando são unidas as notas, que se complementam.

Há sempre pelo menos duas formas de fazer qualquer coisa na vida, assim como no xadrez. Há os que começam com o peão do rei e outros com o peão da dama, há os destros e os canhotos, há pessoas analíticas e as intuitivas. Assim, não vejo como desmerecer um livro frente ao outro. Bronstein e Najdorf são fieis aos estilos segundo os quais viveram suas vidas e moveram suas peças. Esta dualidade não diminuiu em nada a qualidade de suas obras, ambos apenas enriqueceram o mundo com seus lances, ideais e palavras.

Compartilhe: http://bit.ly/Bronstein


*Há ainda os livros escritos por Max Euwe e Gideon Stahlberg que estão disponíveis apenas em antigas edições nas línguas maternas dos autores.

Bispos Laskantes

Dr. Em. Lasker x J. H. Bauer, Amsterdam 1889
Posição após 13. … a6

Algumas partidas se tornam famosas por belas combinações, por seu peso para o resultado de um torneio ou por mudar a vida de alguém. Em 1889, o então promissor aspirante ao título de Campeão Mundial, Dr. Emanuel Lasker, jogou contra Johan Bauer (forte mestre austríaco à época) uma partida que se celebrizou por ter popularizado um novo tema tático, belo e poderoso. Se a Partida Imortal se eternizou pelo duplo sacrifício de torres, esta entrou para a história por causa de um sacrifício duplo de bispos.

Campeão Mundial por 27 anos (de 1894 a 1921, um recorde), Lasker foi um dos mais fortes enxadristas da história. Além disso, foi um dos últimos campeões com múltiplos talentos, sendo doutor em matemática, filósofo e grande mestre de xadrez. Lasker, aliás, estava no grupo de cinco jogadores aos quais o Czar russo Nicolau II se referiu ao cunhar o termo ‘Grande Mestre’, quando se dirigia aos cinco melhores colocados no Torneio de São Petesburgo de 1914. Um título que se tornou tão significativo que foi oficialmente adotado pela federação  internacional anos depois.

Johann Hermann Bauer deixou pouca informação a seu respeito e, no xadrez, foi mais um a seguir a triste sina de Kieseritzky, passando à posteridade como o derrotado de uma partida fantástica.

Na posição acima, as brancas possuem vantagem de espaço e mobilidade plena de suas peças. Especialmente o par de bispos, que exerce forte pressão sobre o esconderijo do rei negro, tal dois canhões contra uma muralha indefesa. Porém, sem uma rápida providência, as negras podem avançar seu peão da dama, já com forte ação na grande diagonal branca, equilibrando a posição.

Lasker encontrou uma continuação avassaladora: 14. Ch5! C×h5 (se 14 … d4 15. B×f6 B×f6 16. Dg4 Rh8 17. Tf3 e5 18. B×h7 … com forte ataque) 15. B×h7+! R×h7 (se não tomar o bispo, é mate em 4 jogadas, fica como desafio descobrir) 16. D×h5+ Rg8 17. B×g7 R×g7 (novamente, não tomar o bispo leva a um mate forçado em… 8 jogadas!) 19. Dg4 + Rh7 20. Tf3 … As pretas são forçadas a entregar material de volta para não levar mate e a partida se decide facilmente para as brancas. 20. … e5 (única) 21. Th3+ Dh6 22. T×h6 R×h6 22. Dd7 … (retomando um dos bispos) 22. … Bf6 D×b7 e as pretas abandonaram 14 lances depois.

Depois desta partida, o sacrifício do par de bispos contra o roque se tornou um tema muito conhecido  (inclusive, há um livro a respeito) que deve fazer parte do repertório tático de todo jogador, sob risco de ser pego desprevenido, como já se viu até mesmo em outros embates magistrais: Alekhine x Drewitt (1923) e Nimzowitsch x Tarrasch (1914). Este último, aliás, recebeu Prêmio de Beleza no Torneio de São Petesburgo (já citado acima). Conta-se que, quando foi votado o prêmio, Dr. Tarrasch (que nutria  por Lasker um profundo desafeto) perguntou se ele votaria por sua partida, ao que Lasker (em 1914 já Campeão do Mundo) teria respondido: “Claro que sim, sem dúvidas! Afinal uma partida assim só se vê a cada… 25 anos!”


Compartilhe: http://bit.ly/LaskerSacrificio