Rubinstein, um lance, duas vitórias

A série sobre posições famosas demanda muitas pesquisas em livros, revistas antigas, fóruns de discussão, que trazem muitas descobertas interessantes, além das diversas sugestões de colegas enxadristas. Tais curiosidades, que talvez não estejam exatamente dentro da proposta da série, com frequência dão origem a uma postagem só para elas.

Num antigo livro com 50 partidas seletas, duas me impressionaram em especial. Em ambas, jogava de brancas o grande mestre Akiba Rubinstein e seus adversários eram (ou seriam) campeões mundiais: Lasker e Capablanca, respectivamente. Rubinstein ganhou dos dois usando uma mesma jogada, embora as posições sejam distintas! Seria um método secreto para vencer campeões do mundo?
Rubinstein nasceu na Polônia (então parte do Império Russo) e foi contemporâneo de Lasker, Capablanca, Alekhine, Tarrasch e Marshall, para falar apenas dos famosos cinco grandes mestres originais. A forte concorrência no período em que esteve no auge de sua força enxadrística pode ajudar a entender porque Rubinstein jamais foi campeão mundial. Outros fatores foram sua condição financeira desfavorecida e a eclosão da I Guerra Mundial, quando Rubinstein estava no ápice de sua forma.

Um match com Lasker estava pré-firmado para 1914, quando começou a guerra, e, depois dela, a penível condição econômica europeia impediu que Rubinstein conseguisse levantar os valores pedidos por Lasker como bolsa mínima para a disputa do título (o mesmo aconteceria depois, quando o campeão já era Capablanca).

Segundo os ratings históricos, Rubinstein esteve pelo menos o entre os quatro melhores do mundo no período entre 1905 e 1915 e foi provavelmente o mais forte enxadrista do mundo entre 1912 e 1914. Justamente neste período áureo foram jogadas as partidas contra Lasker e Capablanca, nas quais Rubinstein usa o mesmo lance para obter a vantagem.

Nas posições acima, as partidas se encontram em seu momento crítico. Contra Lasker, era primeiro confronto entre eles, e Rubinstein precisa encontrar uma forma de retomar a torre sem cair num final desfavorável. Contra Capablanca, também o primeiro confronto entre os dois, o grande mestre polonês preparou uma linha aguda de abertura e precisava achar o único lance que não só evitaria ficar mal de imediato, mas deixa as brancas com posição superior!

Na primeira posição, Rubinstein jogou 18. Dc1!, exatamente o mesmo lance (com outras ideias) que fez na segunda, 17. Dc1!!, obtendo em ambas as partidas vantagens de longo prazo que conseguiu converter em vitória algumas jogadas depois.

O xadrez está cheio de coincidências, mas, como vimos, nem todas as coincidências na vida de Rubinstein foram tão felizes como o ‘Dc1‘. O mestre sempre teve uma saude mental frágil e passou boa parte de seus últimos anos em instituições psiquiátricas, especialmente após a morte da esposa em 1954.

Esses traços da personalidade de Rubinstein chamaram a atenção do escritor russo Vladimir Nabokov, que se inspirou nele (como em outros jogadores do início do século XX) para moldar seu personagem principal no livro A Defesa Luzhin, que depois deu origem a um excelente filme homônimo.

Rubinstein pode não ter passado para a história como um campeão mundial, mas suas combinações terão sempre um lugar cativo nos tabuleiros e no imaginário de gerações e gerações de enxadristas. Na próxima vez que puder fazer o lance ‘Dc1‘, lembrarei do mestre e pensarei com cuidado, pode ser uma arma poderosa, principalmente se meu adversário for um Campeão do Mundo!

Steinitz: uma combinação imortal

W. Steinitz x C. von Bardeleben
Hastings, 1895
Posição após 21. … Re8
Em 1895, o mestre austríaco Wilhelm Steinitz já não era mais o Campeão do Mundo (após 8 anos de reinado, havia perdido o título para Emanuel Lasker no ano anterior), mas, como frequentemente acontece aos recém ex-campeões, o brilho de seu jogo pareceu rejuvesnecer após a derrota para Lasker. Na décima rodada do Torneio de Hastings daquele ano, Steinitz enfrentou Curt von Bardeleben, que vinha liderando o torneio. Bardeleben foi um mestre alemão que vivia somente de xadrez e (segundo Edward Lasker) da venda do seu nome nobre para moças com quem contraia matrimônio e depois se divorciava.

Após ser derrotado por Steinitz, assim como outros mestres do passado que sofreram derrotas espetaculares, von Bardeleben experimentou uma decadência enxadrística e pessoal que acabou levando-o ao suicídio em 1924, pulando de uma janela. Este episódio teria inspirado Nabokov em seu romance “A Defesa Luzhin“, na qual caracterizou um mestre de xadrez que sofria de transtornos mentais.

A combinação de Steinitz entrou para a história como uma das mais brilhantes do xadrez. É curioso que já no final de sua exitosa carreira enxadrística ele tenha produzido sua partida mais famosa.
A posição acima mostra o momento chave da partida, em que Steinitz capitaliza a vantagem que obteve ao privar o Rei adversário do roque, deixando-o no centro do tabuleiro. A partida seguiu com 22. Te7!! … é interessante ver que todas as peças brancas estão en prise sendo impossível a captura de qualquer uma delas sob pena de perder a partida 22. … Rf8 (se 22. … Re7 23. Db4+ Re8 24. Te1+ Rd8 25. Ce6+ com perda forçada da Dama; se 22. … De7 23. Tc8+ Tc8 24. Dc8 e as brancas tem uma peça de vantagem) com o lance do texto, aparece o tema da “torre carrapato” que se oferece insistentemente mas não pode ser capturada 23. Tf7+ Rg8 24. Tg7+. Neste momento, von Bardeleben teria se retirado do recinto sem sequer abandonar formalmente a partida e por muito pouco não abandonou também o torneio. Poderia ter seguido ainda alguns lances com 24. … Rh8 25. Th7+ Rg8 26. Tg7+ e agora as negras precisariam decidir entre uma pesada perda de material com 26. … Rf8 27. Ch7+ Rg7 28. Dd7+ ou um mate em 9 lances com 26. … Rh8 27. Dh4+ Rg7 28. Dh7+ Rf8 29. Dh8+ Re7 30. Dg7+ Re8 31. Dg8+ Re7 32. Df7+ Rd8 33. Df8+ De8 34. Cf7+ Rd7 35. Dd6# 1-0.