O Muro


Uma construção sólida, era a melhor definição. Por séculos esteve ali, impoluto! Invicto contra as tentativas de ser ultrapassado ou de ter sua integridade violada de qualquer maneira. Não se sabia por que fora construído, tampouco quem o tinha levantado. O muro estava ali há mais tempo do que qualquer um era capaz de lembrar.

Havia histórias de expedições antigas para determinar a extensão do muro. Conta-se que, uma vez, dois grupos partiram em direções opostas, com a missão de achar o fim daquele imenso paredão. Por meses ficaram sem notícias daqueles desbravadores, até que um belo dia voltaram todos juntos, cabisbaixos! Tinham-se encontrado em alguma parte e concluído que o muro não tinha fim.

Outra lenda falava de alguns que tentaram cavar a terra em busca dos alicerces do muro, e assim passar por baixo dele. Cavaram tão fundo que já não era possível suportar o calor e o pouco ar, mas ainda não havia sinal da base do muro.

Alguns destemidos tentaram ser catapultados por sobre o muro, que era de uma altura desmedida. Sem sucesso, passaram para a outra vida sem jamais terem visto o outro lado.

Com o tempo, as pessoas foram deixando de tentar saber o que o muro escondia ou protegia e simplesmente foram vivendo suas vidas, afinal que falta faria algo que nunca tiveram, algo escondido, ou que talvez nem existisse?

O muro lançava uma comprida sombra durante as tardes, era onde os velhos e crianças gostavam de terminar seus dias, abrigados do calor. Suas paredes também serviam de mural para pinturas diversas, as mais comuns eram portas e janelas que mostravam aquilo que se imaginava existir do outro lado: jardins, pequenas casas encantadas, uma fonte de águas medicinais, elfos, duendes e o que mais brotasse da imaginação daquele povo. Tinham-se entendido com o muro, estavam felizes.

Um dia, porém, chegou ali um forasteiro vindo não se sabe de onde. Havia ouvido histórias sobre o muro e queria tentar ver do outro lado.

Foi recebido com desconfiança, mas mesmo assim conseguiu ser ouvido pelos mais velhos, que formavam uma espécie de conselho. Falaram ao forasteiro das misérias causadas pelo muro, das mortes, dos prejuízos e da tácita trégua que agora tinham com ele.

Como era um homem livre, ele decidiu continuar seu plano. Os mais velhos consideraram que já tinham feito o que podiam e não houve maiores objeções.

O rapaz havia trazido equipamentos estranhos àquele povo, travas metálicas, cordas e alguns outros elementos. Logo contratou dois rapazes, jovens como ele, para ajudarem no preparo do material, e pôs-se a escalar o muro. Sozinho.

As pessoas, então, sentaram-se de frente ao muro para contemplar o forasteiro em sua escalada. Imaginavam em que momento ele ia cair, mas não aconteceu. Ele subiu, subiu, sumiu das vistas mais cansadas, até tornar-se um ponto no olhar dos meninos de visão aguçada. Depois nada mais se viu.

O rapaz já estava subindo há muito tempo, talvez dias, quando finalmente percebeu o final do muro. Renovado o ânimo, foi rápido nos metros finais, ávido por conhecer o outro lado.

Ali em cima, o muro mais parecia um grande platô, o que surpreendeu por um momento o rapaz. Mas não se podia esperar menos daquela imensa construção. Recolheu seu material, e pôs-se a andar em linha reta. Foram muitos dias andando, quase sem forças ele continuava com fé, até chegar à beira do monstro: um verdadeiro abismo. Lá de cima tudo era uma mancha esverdeada, os rios pareciam fios de cabelo, os montes pareciam formigueiros. Ele, então, iniciou a descida, com ânimo e energia renovada.

Quando tocou o solo, percebeu que, ao contrário do outro lado, não havia povoado. Acampou por alguns dias, descansou, alimentou-se, e planejou o que ia fazer quando encontrasse os habitantes daquele lado. Observou o sol e partiu na direção desejada, determinado.

Como já estava habituado a longas jornadas, aquela última etapa não lhe estranhou pela duração, nem lhe diminuiu as forças, pois não havia erro, ia encontrar alguém. Por fim viu um povoado… mas, não… não podia ser, o muro… havia ali outro muro? Seria o mesmo?

Os anciãos do povoado receberam o forasteiro preocupados, vinha como um fantasma, como alguém que passou pela morte e não percebeu. Sentaram-no, deram-lhe água, comida, deixaram repousar. Depois que ouviram sua história, um dos anciãos disse:

– Agora eu me lembro de você! Você mudou, envelheceu. Eu fui um dos ajudantes, na preparação para que você escalasse o muro!

Ele não podia entender, até que alguém lhe passou um espelho e ele pôde ver na imagem o estrago do tempo em seu rosto. Só então descobriu quão longa tinha sido a jornada. Sentiu-se sufocar e saiu ao ar livre. Mais calmo, contemplou as pinturas no muro, ali havia uma dum homem que subiu até as nuvens e nunca mais voltou. Aproximou-se do muro, ainda incrédulo, e sentou-se ao seu pé. A sombra agradável já se fazia sentir. As crianças corriam, brincavam, alguns jovens pintavam novas histórias na parede milenar.

“Devia ser um sonho, isso, apenas um sonho”. E ele ficou ali, esperando acordar.

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