Nostalgia*


Dois amigos conversando.

– Sabe? Eu tenho, às vezes, saudade do passado, de quando eu era mais novo. Ah, como eram fáceis as coisas!

– É mesmo, a gente quando era mais jovem tinha a felicidade na mão e não sabia.

– Aquelas tarefas da escola, tão simples, e a gente fazendo daquilo uma coisa do outro mundo.

Gargalhadas.

– É, nossa mãe fazia tudo pra gente, tínhamos comida na boca, era brinquedo novo todo dia, e ainda assim a gente reclamava.

– Todos tratavam a gente com carinho e simpatia. E nem levávamos tantas broncas. Já hoje…

Suspiros desanimados.

– E com as garotas? A gente nem pensava tanto nelas, só queríamos diversão. E hoje em dia ficamos aí, bobalhões, apaixonados e nem sempre correspondidos.

– Nem me fale, a Cris está me esnobando, as coisas com ela já não são como eram no começo…

– E a Carol? Está me deixando sem miolos. Nem liga mais pra mim…

Mais suspiros desanimados.

– Você tem razão, tudo hoje é mais difícil. Nossa infância é que era boa.

– E pensar que eu reclamava das lições de matemática daquele tempo.

– E eu das de português.

– É, você nunca soube separar bem as sílabas, né?

– E você? Passou uma semana na tabuada de 7!

– Até hoje eu me enrolo com 7×6!

– E eu tenho horror à palavra “aperfeiçoado”.

Gargalhadas.

– Bons tempos, pena que não voltam mais. Gostaria que todos os problemas que tenho hoje fossem simples como a tabuada de 7.

– Pois eu acho que separar as sílabas de “aperfeiçoado” ainda é pior que muitos problemas que enfrento atualmente!

Mais gargalhadas.

Um grito distante:

– Pedrinho, venha para casa, está na hora do almoço! E venha correndo que esta tarde chamei um professor particular para te ensinar direito MMC e MDC.

– Ih Joãozinho, é minha mãe. Tenho que ir. Vou ter que estudar essas chatices

– Também tenho que correr, senão eu vou é apanhar. Minha mãe está uma onça comigo, tirei zero em redação.

– Como é ruim estar na quarta série!

– Nem me fale Pedrinho, bom mesmo era antigamente!

– E você acha que eu não sei, Joãozinho?

– Joãozinhooo, venha almoçar – gritou outra voz ao longe.

– Ih, não falei? É a minha mãe! Até amanhã.

– Até.

E seguiram cabisbaixos. Cada um para sua casa, cuidar de seus próprios problemas.


*Originalmente publicado em 2002 no site Quase Escritores, organizado por este autor.

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Um comentário em “Nostalgia*”

  1. Sr. R, lhe tinha um convite a fazer. Leio quase sempre seus textos desde de 2015, e queria lhe convidar para participar da equipe do meu blog. Sempre que eu posso eu escrevo sobre xadrez nele, mas ainda é uma fatia muito pequena dedicado ao xadrez. E existem textos seus que vão além do apenas público que gosta do xadrez, como os sobre os livros que não se encontra na livraria mais, George Orwell, ou mesmo o meu preferido de todos, que é sobre os sonhos que Spassky diz ter com Fischer. Poderia publicar lá textos que já foram publicados aqui, citando a fonte daqui, onde foi originalmente publicado. Se quiser, podemos falar mais a respeito pelo hangouts do g+.

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