Relembrando: Anand, enfim um indiano Campeão do Mundo

Sabemos que o xadrez veio da Índia, e foi muito marcante para mim quando um indiano voltou ao topo do xadrez mundial depois de tantos séculos. Na época, 2007, escrevi o texto abaixo, mas, como ainda não tinha este blog, apenas mandei para alguns amigos e deixei guardado. Agora, já próximo de Anand colocar novamente seu título em jogo contra Gelfand (que foi, curiosamente, o vice-campeão do mundial de 2007), decidi compartilhar o texto aqui com vocês. Tentei fugir do jargão enxadrístico, para não ser muito difícil de entender para aqueles que não tem conhecimento profundo das complicadas  intrigas da história recente dos Campeonatos Mundiais de Xadrez. Espero que gostem.

Viswanathan Anand, novo campeão do mundo: o xadrez retorna ao lar

Por Rewbenio A. Frota

A lendária origem do jogo de xadrez nos diz que ele foi criado pelo sábio indiano Sassa, a pedido de seu Rei, que demandara um jogo no qual se pudesse aprender e praticar as mais elogiosas virtudes, como a disciplina, a estratégia e a moderação. Foi o antigo exército indiano que inspirou o sábio Sassa na escolha das figuras que se moveriam sobre um tabuleiro que resumia o mundo em 64 quadrados de fantasia.
A persistência da lenda acima talvez resida na sua interessante continuação, na qual o Rei, muito satisfeito com o jogo, teria dito a Sassa que, como prêmio, pedisse o que bem entendesse. A princípio, o sábio, prudente, recusou, dizendo que a afeição do Rei pelo jogo já era recompensa suficiente. Mas, como o Rei insistisse, Sassa disse que pediria simplesmente um grão de trigo na primeira casa do tabuleiro, dois grãos na segunda, quatro na terceira, sempre dobrando a quantidade de grãos a cada nova casa, até a sexagésima-quarta. O Rei concordou, algo zombador, dizendo que o sábio deveria ter pedido escravos ou marfim. Porém, logo teve que, humildemente, pedir que Sassa voltasse atrás no pedido, pois antes da trigésima-segunda casa, já todo o trigo do reino teria acabado. Estima-se que o pavoroso número de grãos necessários para realizar o desejo de Sassa (264 – 1 = 1,84467441 × 1019) seria suficiente para cobrir toda a superfície do planeta com uma camada de 7 polegadas de trigo!
O fato, comprovado por outras fontes históricas, é que realmente o jogo surgiu na Índia, em torno do ano do 400 a.C., e, a partir de lá, foi-se espalhando pelas terras vizinhas, rumo ao ocidente. Em cada local novo, no curso dos anos, o jogo foi sendo modificado até chegarmos à versão que jogamos hoje, que é praticamente a mesma da idade média, salvo por pequenos detalhes como o roque e a tomada “en passant”.
O xadrez moderno, que desde o século XIX mantém registros regulares de partidas e melhores jogadores, foi dominado pelos europeus, primeiramente franceses, espanhóis e ingleses, mais tarde pelos soviéticos. Apenas alguns poucos foram capazes de tomar da Europa essa hegemonia: os americanos Pillsbury e Morphy no século XIX e Fischer na década de 70. Existe também o registro de um excepcional jogador indiano, Sultan Khan, servo de um fidalgo inglês, que veio a Londres por 3 anos (1930-1933) com seu senhor e foi capaz de derrotar muitos dos melhores jogadores do mundo, incluindo o lendário campeão do mundo José Capablanca. Seria esse o prenúncio do retorno da Índia ao topo do xadrez mundial? Sultan Khan voltou à Índia e nunca mais se teve notícias de que voltou a jogar xadrez.
O mundo das 64 casas sofria desde 1993 de um cisma, causado pelo então campeão mundial Garry Kasparov, que retirou-se da federação internacional e criou sua própria associação de jogadores profissionais. O título oficial ficou errante desde então, nas mãos de excelentes grandes-mestres, mas que jamais venceram Kasparov, que continuava com a aura de invencibilidade e de autenticidade, pois era oriundo de uma linhagem de campeões mundiais que remontava ao século XIX. Em 2000, o título não-oficial passou, para Vladimir Kramnik, que derrotou Kasparov, pondo fim a um reinado de 15 anos. Kramnik foi capaz de reunificar os títulos mundiais no final de 2006.
O próximo campeonato mundial foi realizado neste ano de 2007, de 13 a 29 de setembro. O sistema de disputa envolveu o campeão mundial, Kramnik, e mais 7 grandes-mestres de elite, selecionados entre os vencedores de uma série de super-eventos preliminares. Todos jogaram duas vezes contra todos. O vencedor do campeonato mundial foi o grande-mestre indiano Viswanathan Anand, único invicto no certame.
Anand tem 37 anos de idade, obteve o título de grande-mestre aos 18 anos (1º indiano a conseguir a façanha). Ele é apenas o sexto jogador na história* a liderar o ranking mundial desde sua criação. Atualmente sua pontuação no ranking mundial é de 2801 pontos. Além de Anand, que rompeu a barreira histórica de 2800 pontos em abril de 2006, apenas outros 3 jogadores superaram esta marca: Kasparov (2800 pontos em janeiro de 1990 – ele se aposentou com 2812 e teve um máximo de 2851 pontos), Kramnik (2802 pontos em abril de 2001 – máximo de 2811 pontos) e Topalov (2801 pontos em janeiro de 2006 – máximo de 2813 pontos). Suas principais conquistas anteriores foram: Campeão Mundial juvenil em 1987; desafiante ao título mundial não-oficial em 1995 (derrotado por Kasparov); desafiante derrotado ao título mundial oficial em 1998, (derrotado por Karpov); Campeão Mundial oficial em 2000 (o título não-oficial, mais prestigioso, continuava com Kasparov); Campeão Mundial de Xadrez Rápido em 2003. Além desses títulos, Anand venceu alguns dos principais torneios do xadrez profissional, como os tradicionais Linares na Espanha e Wijk aan Zee na Holanda.
Com a merecida vitória de Anand – desta vez campeão mundial único e indiscutível, herdeiro legítmimo de Steinitz, Lasker, Capablanca, Alekhine, Euwe, Botwinik, Smyslov, Tal, Petrosian, Spassky, Fischer, Karpov, Kasparov e Kramnik – o xadrez completa uma peregrinação de mais de 20 séculos e retorna ao lar.
 
*Situação em 2007

Um lance desconcertante

Na posição abaixo, você seria capaz de fazer uma jogada que recebeu a seguinte descrição: “um dos lances mais fantásticos já feitos sobre um tabuleiro de xadrez”? Um lance muito bonito, que recebeu as seguintes valorações em análises por diferentes autoridades enxadrísticas:
  • ‘!!’ – Irving Chernev.
  • ‘!!’ – FM G. Burgess.
  • ‘!!!’ – GM A. Soltis.
  • ‘!!!’ – GM Ruben Fine.
Segue a posição (negras jogam e ganham):
Levitsky – Marshall (1912)

Resposta aqui (mas vale pensar primeiro por si mesmo).

A maestria no xadrez em meados do século XX

A maestria no xadrez, sem dúvida, é um grande atrativo para todos os seus praticantes. Seja pela vontade de um dia dominar os mais importantes elementos do jogo, seja pelo fascínio que os grandes mestres exercem sobre os jogadores menos fortes.
Antes de a FIDE criar os títulos oficiais de Mestre Internacional (MI) e Grande Mestre Internacional (GMI, ou só GM) em 1949, ou mesmo de Mestre FIDE (MF) em 1978, os jogadores tinham somente seus nomes, sua reputação, como mestres do jogo.
MI Edward Lasker (fonte: wikipedia)
O MI Edward Lasker (1885-1981) descreveu em seu livro The Adventures of Chess (1ª edição em 1949) as qualidades que os mestres de xadrez deveriam ter, com base em estudos feitos por psicólogos envolvendo mestres e amadores1:
  1. Elevado grau de inteligência, apesar de não necessariamente ter o mesmo grau de cultura. Um forte enxadrista pode ter muito pouca cultura. Pode até mesmo não saber ler ou escrever; mas jamais será um estúpido.
  2. A capacidade de pensar objetivamente. A presença de um oponente que entenda toda a lógica rigorosa das relações existentes no tabuleiro deixa pouco espaço para a arbitrariedade, para o julgamento subjetivo.
  3. A capacidade de pensamento abstrato. Fazer generalizações corretas, baseadas na experiência colhida em anos de prática, produzem o chamado “instinto posicional” de um mestre de xadrez que lhe permite inferir o melhor lance em situações nas quais o cálculo exato é impossível.
  4. A capacidade de distribuir a atenção sobre diferentes fatores, como os que estão sempre envolvidos em uma “combinação”. Isto evita deixar de ver certos lances importantes, que é a maior fraqueza da maioria dos amadores.
  5. Uma vontade disciplinada capaz de forçar a velocidade e concentração do processo de pensamento, sempre que necessário, muito além de sua capacidade normal.
  6. Bons nervos e auto-controle. Um jogador que não pode disciplinar suas emoções ficará desmoralizado e jogará muito abaixo de sua força real. Um mestre de xadrez deve ser capaz de se manter sob controle quando nos apuros de tempo. Se cometer um erro que o faça perder uma partida ganha, ele deve assimilar calmamente a derrota e seguir adiante.
  7. Auto-confiança. Um mestre de xadrez deve ter confiança em seu julgamento posicional, já que a análise detalhada de todas as variantes raramente é possível.
Além desse 7 itens, ele ainda comenta ser necessário:
  1. Perfeição técnica. Isto exige uma grande quantidade de prática desde tenra idade. São necessários anos de estudo para assimilar o que os mestres de xadrez do passado descobriram, e para acompanhar a crescente massa de análise contemporânea de aberturas.
  2. Boa forma física é boa saúde. O estado de saúde de um mestre sempre afeta sua pontuação em um torneio. Ele deve ter disposição física para manter a cabeça limpa nas muitas horas de uma sessão de jogo (na época uma partida podia durar várias sessões de jogo de 4 a 5 horas cada).
  3. Enfrentar adversários de força superior. Deve-se praticar contra os jogadores mais fortes. Isto coloca em desvantagem lamentável jogadores que têm pouca ou nenhuma oportunidade de passar bastante tempo nas cidades em que os jogadores mais fortes se encontram (hoje em dia, com a internet, essa dificuldade é muito reduzida).
    1 Tradução livre e adaptada de trechos do Capítulo VI – Chess Mentality, da 2ª Edição do livro The Adventures of Chess, do MI Edward Lasker, pela Dover Publications, 1950.

Xadrez era destaque no Jornal do Brasil há exatos 32 anos

Um amigo mandou um link onde se podem encontrar edições passadas (de 8/abril/1891 a 31/dezembro/1999) do Jornal do Brasil. Escolhi o dia 2 de março de 1979 para ver o que havia sobre xadrez e, para minha surpresa, ao lado das notícias de Fórmula 1 só que com maior destaque, havia uma manchete sobre a divulgação dos participantes dos 2 Torneios Interzonais de Xadrez que aconteceriam naquele ano. O destaque, claro, devia-se à esperança de ver Mequinho vencendo o terceiro Interzonal em sequência (depois de Petrópolis 1973 e Manila 1976).

Esporte no JB de 2/3/1979

Segue a manchete:

Destaque do Esporte na Edição de 2/3/1979 do JB.
O texto foi assim:
Edição 2/3/1979 do JB – Destaque para os Interzonais de Xadrez e para Mequinho
 O Interzonal do Rio em 1979 acabou assim (Mequinho abandonou a disputa após 2 rodadas já devido aos efeitos da doença que o acometeu durante vários anos), com destaque para a atuação do jovem Jaime Sunye Neto, na época ainda sem titulação internacional (seria MI no ano seguinte e GMI em 1986):
Interzonal 1979 sediado no Rio de Janeiro

O Interzonal de Riga (e não Moscou) em 1979 acabou assim:

Interzonal 1979 sediado em Riga (ex-URSS, hoje Letônia)