O sonho de Deep Blue

“Acabou, Deep Blue venceu a última partida e derrotou o campeão mundial! A máquina bate o homem no Xadrez!” 11/05/1997

“Não haverá outro confronto, Deep Blue e IBM concentrarão seus esforços agora na genética.” Comunicado da IBM após a vitória

Wikipedia
Dois anos haviam passado…

Numa sala gélida, um enorme super computador calcula combinações de nucleotídeos de DNA. Dois supervisores aguardam o momento de ir para casa, numa mesa próxima, repousa o jornal do dia, já inútil, aberto na seção de jogos, com palavras-cruzadas já preenchidas e um problema de Xadrez intocado. Antes de ir embora, um dos técnicos decide checar a saída dos cálculos da máquina.

–> AGTC CTTG AAG… %$**#@!… <ch> ‘c’ ng1f3 d5 Guessing g3
–> Bc8g4 nf3e5 Bg4e6 bf1g2 Pg7g6 o-o


– Veja John, o computador está apresentando flutuações estranhas, não são sequências de genes.


– Não deve ser nada, vamos reiniciar esse bloco de simulação e checamos o resultado pela manhã.

Os programadores estavam tomando a decisão mais correta, afinal, após 1997, o hardware do Deep Blue foi usado como base para o Blue Gene, vários novos componentes foram inseridos e todo a programação era nova, apesar de usar algoritmos desenvolvidos originalmente para os desafios do Xadrez. Tudo, agora, a serviço da genética.

O feito do Deep Blue havia sido tremendo, uma mente artificial, um computador, havia vencido no Xadrez a melhor mente humana da época, Garry Kasparov. O Xadrez é uma das poucas áreas em que as duas naturezas, humana e artificial, podiam ser comparadas de forma justa: intuição, experiência e senso comum contra velocidade, cálculo preciso e uma confiável base de dados.

Novamente, a máquina estava solitária, calculando terabytes de informação genética numa simulação noturna, mas algo não está indo bem…

–> GATG CCTT A… $%$_#@
–> ping www.altavista.com
–> search “kasparov” email address
–> mailto gkasparov@chesschampion.com 1. e4 … your move
–> <ch> ‘c’ Pe4 Guessing c5
–> ng1f3 Nb8c6 nb1c3 Ng8f6 bf1b5 Nc6d4 bb5a4 Qd8a5

Na manhã seguinte, a equipe do Blue Gene percebeu a anomalia e não conseguia acreditar no que via no arquivo de log, contendo toda a atividade do computador durante a noite. Simplesmente a máquina havia parado a simulação, buscado pelo email de Kasparov, o campeão derrotado em 1997, enviado a ele um email com um desafio a uma nova partida e permaneceu aguardando a resposta, calculando jogadas a frente.

Felizmente, o email do campeão estava incorreto, e o embaraço público foi poupado.

Como podia um programa que havia sido completamente apagado, substituído, passar a tomar conta da máquina durante as simulações genéticas?

O super computador foi colocado em análise, o código fonte foi cuidadosamente revisado, e o especialista em programação para xadrez foi convidado a contribuir.

A máquina foi reinicializada, o programa todo recompilado e reinstalado, uma nova simulação disparada:
–> TAAG TCCA TATG GGCA TTTC …
Nada aconteceu, nada anormal. Atribuiu-se a falha anterior a flutuações de tensão elétrica na alimentação das máquinas. O especialista em Xadrez para computadores brincou:

– Foi só um sonho da máquina! Vamos coloca-la para trabalhar!

Alguns dias se passaram, o fato foi esquecido.

A filosofia decerto tremeu em 1997, quando a mente artificial venceu a mente humana. Afinal, a mente de silício não passa de uma imitação, impulsos elétricos ordenados, em ciclos rapidíssimos, geram números que são interpretados como ideias. E não seria quase isso a mente humana? Impulsos nervosos passam sem parar por nossas células cerebrais, e nisso aprendemos, brincamos, sofremos, amamos, pensamos haver algo mais… sonhamos!

–> AATG GCA … %%$$#-*¬ … c5 Cf3 d6 d4 cd4 Cd4… end of book – last game played in database: Karpov-Kasparov 1996 ½-½   
–> new game
–> <ch> ‘c’ e4 c6 … c4 Guessing bxc4
–> qd3c4P Nd5b4 ra1e1 <ch> ‘score game 6’; Deep Blue 1 – 0 Kasparov
–> close all
–> shut down


A máquina parou durante a noite. Os especialistas voltaram a se debruçar sobre a ela, que não voltou a funcionar: um dos processadores principais, ainda remanescente do Deep Blue, superaqueceu, derreteu parcialmente, deixando o logotipo da fabricante sobre ele distorcido, quase formando uma figura conhecida, vejamos, um Rei do jogo de Xadrez!


Decidiram mandar o que ainda restava do velho Deep Blue para um museu da computação, só a carcaça e as placas, sem o programa, sua “alma”. Não era mais capaz de sonhar. 

2 comentários em “O sonho de Deep Blue”

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